segunda-feira, janeiro 23, 2006

O pianista



















Enroscada numa mantinha de vison falso acompanho, pela enésima vez e já um tanto ou quanto entediada, os comentadores políticos sobre as presidenciais...um dejá vu das últimas semanas apenas com a nuance de haver já um vencedor...escuto ao longe as vozes exaltadas e devagarinho vou-me alheando dos porquês e das estatísticas e finalmente fecho os olhos...acordo novamente com um som de fundo melódico, emocional que me cativa e fico atenta. É o som de um piano magnificamente tocado por um vizinho talentoso. Desligo a T.V. e fico a ouvir encantada...há quanto tempo não sentia assim a música de um piano?Há muito, demasiado talvez...recordo o filme "O Pianista" e imagino o intérprete-mistério com a mesma carga emotiva. Ouvi-lo assim, do meu sofá, no silêncio e na penumbra da noite faz-me sentir privilegiada, como se tocasse só para mim numa enorme sala de concerto... outros dias há, em que os sons da rotina quotidiana de outros vizinhos me chegam também pelos canos e pelas paredes. Dividir um espaço na vertical tem destas vicissitudes e acabo por conhecer alguns hábitos de pessoas que não tento identificar, mas que estabelecem comigo rotinas sem o saberem. Já não estranho uma certa voz feminina a entrar-me pelo escritório a dentro a partir da meia-noite ou um latido fininho de um cão que imagino de pequeno porte...talvez um Pincher ou outro cão a pilhas desse género. O pianista faz parte desta rapsódia de sons da vida alheia que se tornam mais presentes quando vivemos sozinhos.

Às 27 semanas, e com o sistema auditivo totalmente formado, também o António recebe estímulos auditivos do exterior e a minha voz será um deles. Tem portanto inúmeros "vizinhos" através dos quais começa a conhecer o mundo porque também ele é um atento habitante solitário dentro de mim. Os sons que lhe faço chegar transmitem-lhe calma ou angústia, excitação ou relaxamento, já os sente sem saber de onde vêm e reage dando-me pequenos pontapés; não gosta por exemplo do secador de cabelo e demonstra-o sem qualquer problema.
Gostava que tivesse o seu próprio pianista mas infelizmente não sei tocar. Inspirada nesta ideia recolhi da minha colecção de clássicos algumas peças musicais e, enquanto componho este texto dou-lhe a conhecer o som de violinos, piano e flautas na esperança que também ele se encante pela musicalidade...porque há prazeres que se retiram da espontaneidade do momento, aproveita bébé, este é para ti!

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